BLOG – DIREITO FINANCEIRO EM TELA
Há uma discussão a respeito da necessidade, ou não, da existência de autorização, em lei orçamentária, para a realização das operações listadas pelo art. 100, § 11, da Constituição. Existem argumento no sentido de que tais operações não precisam passar pelo processo legislativo orçamentário porque não apresentariam "fluxo financeiro", ou seja, trânsito de recursos pela Conta Única do Tesouro Nacional (CUTN).
Bem... discordo desse posicionamento. Explico.
A questão de o orçamento ser fluxo financeiro (entrada e saída de R$ da Conta Única) não encontra respaldo na legislação.
Não existe qualquer norma que
determine que o registro de uma despesa orçamentária deva ser feito em razão de
saída de R$ da CUTN. Mas existem dispositivos que determinam o reconhecimento
da despesa orçamentária no momento de seu empenho (art. 35, inciso II, e art.
58 da Lei 4.320/1964). Ou seja, despesa não se registra quando se paga, mas
quando se empenha.
Também inexiste dispositivo legal
que diga que a receita orçamentária somente ocorre quando o recurso é
depositado na CUTN. Mas existem dispositivos legais que expressamente
determinam o registro da receita orçamentária no momento de sua arrecadação
(art. 35, inciso I, e art. 57 da Lei 4.320/1964). Ou seja, receita deve ser
registrada quando de sua arrecadação, independentemente do fato de a mesma vir
a ser recolhida ou não.
A esse respeito, vale observar
que o art. 56 da Lei 4.320/1964, ao falar sobre recolhimento, não determina o
recolhimento de todas as receitas. O mandamento é outro: caso recolhida, a
receita deve ir para uma conta única.
Em regra, os recursos (tributos,
operação de crédito, alienação de bens, devolução de empréstimos etc) que o
setor público obtém para o financiamento de seus dispêndios são aplicados em
momento distinto daquele em que foram captados (arrecadados). Por essa razão,
realiza-se o recolhimento dos mesmos a uma conta única. É o que chamo de
“operações indiretas”.
Mas nada impede que a aplicação
dos recursos (arrecadados) pelo setor público seja efetuada no mesmo instante
em que os mesmos são captados. Nessa hipótese, desnecessário o recolhimento. É
o que chamo de “operações diretas”.
Ocorre que, em ambos os casos –
R$ aplicados de imediato ou em momento posterior – é preciso reconhecer que
existe a realização de uma arrecadação de recursos/fontes. Ou seja, recolhidos
ou não a uma conta única, os recursos foram arrecadados. Aliás, apenas abrindo
um pequeno parênteses – já que, até onde sei, não existe o conceito de
arrecadação positivado pelas normas de direito financeiro – entendo que
“arrecadação” representa a obtenção de fonte de financiamento para a realização
(sentido bem amplo) de dispêndios de natureza orçamentária.
Ainda nessa esteira, vale dizer
que, desde há muito, o orçamento da União contempla dotações para operações
indiretas e para operações diretas. Existem, inclusive, fontes específicas para
operações de crédito “diretas”.
Em resumo, o orçamento público
deve contemplar autorização (para aquele exercício respectivo) para a execução
de dispêndios de natureza orçamentária, bem como a estimativa do montante das
fontes de recurso que o ente federado captará (arrecadará) para o financiamento
dos dispêndios respectivos. Incorreto, ao meu sentir, portanto, a ideia de se
estabelecer espécie de relação biunívoca entre orçamento e fluxo financeiro de
R$.
Sendo assim, entendo ser
equivocado o entendimento de que uma despesa (cuja natureza mostra-se
claramente orçamentária) possa ser realizada fora do processo legislativo
orçamentário sob o argumento de que, para o seu financiamento, não haverá a
necessidade de sacar recursos da CUTN. Concordar com tal hipótese, ao meu ver,
seria afirmar, s.m.j., que a natureza de uma despesa orçamentária pode ser
modificada em razão da fonte de recursos que a financia.
Pois bem.
Apesar de toda essa conversa aí de
cima, meu entendimento é que as operações listadas pelo art. 100, § 11, da
CF/88 – no que tange à União – não precisam ser autorizadas pelo orçamento. Mas
a razão não tem relação com tais operações conterem ou não fluxos financeiros.
O motivo é outro.
O texto do citado § 11 atribui ao
credor da União (originariamente ou por meio de aquisição) o direito, se assim
desejar, de aplicar os créditos que tem junto à União no pagamento de uma série
de operações: pagar tributos vencidos, pagar pela aquisição de imóveis, pagar
pela outorga de serviços públicos, pagar pela aquisição de participações em
empresas etc.
Numa apreciação bem rápida que
fiz das operações listadas pelo § 11, parece-me que todas elas não envolvem
qualquer execução de dispêndio por parte da União. Os dispêndios, ali, são, ao
meu ver, realizados a partir de manifestação de vontade do credor da União, e
não da União. O que a União faz é simplesmente obter fontes de financiamento.
Quem realiza o gasto é o credor. Por ex: a União coloca um imóvel à venda e
permite que o credor, se assim desejar, pague com crédito líquido e certo. Se a
mesma pessoa do credor quiser pagar em R$, e não em crédito, ela pode; e a
operação, nesse caso, será simplesmente uma “obtenção de fonte de
financiamento, mediante venda de patrimônio”.
Alguém pode questionar: e se o
credor quiser pagar o imóvel com os créditos, não estaria ocorrendo, então, um
dispêndio para a União (pagamento da dívida junto ao credor)? A resposta é:
sim! Ocorre que, no entanto, não seria um dispêndio cuja execução se deu em
razão de manifestação de vontade da União, mas do credor, no exercício de uma
prerrogativa/direito que a emenda constitucional lhe atribuiu.
Ora, exigir que tais operações
(incisos do art. 100, § 11) somente possam ocorrer caso exista dotação
orçamentária e nos limites da respectiva dotação orçamentária seria, ao meu
juízo, querer restringir o exercício do direito/prerrogativa trazida pelo § 11.
Concluindo.
A aplicação, pelo credor, dos
créditos líquidos e certos que possui, junto à União, para honrar os
compromissos que assumir em decorrência da realização das operações (obtenções
de fonte de financiamento pela União) listadas pelos incisos do art. 100, § 11,
da CF/88, independe de autorização por meio de dotações orçamentárias.
Condicionar a realização de tais operações a prévias consignações no orçamento
seria restringir, limitar e impedir o exercício da prerrogativa trazida pela
Emenda Constitucional nº 113/2021.
Abraço em todos.
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