PRECATÓRIOS - ORÇAMENTO PÚBLICO versus Art. 100, § 11, da CF/1988

 BLOG – DIREITO FINANCEIRO EM TELA

AUTOR: Antonio Carlos Costa d'Ávila Carvalho Júnior - Professor de Orçamento Público e Gestão Fiscal - professordavila@hotmail.com

OBSERVAÇÃO: permitida a reprodução, desde que citadas a fonte e o autor.

Há uma discussão a respeito da necessidade, ou não, da existência de autorização, em lei orçamentária, para a realização das operações listadas pelo art. 100, § 11, da Constituição. Existem argumento no sentido de que tais operações não precisam passar pelo processo legislativo orçamentário porque não apresentariam "fluxo financeiro", ou seja, trânsito de recursos pela Conta Única do Tesouro Nacional (CUTN). 

Bem... discordo desse posicionamento. Explico.

A questão de o orçamento ser fluxo financeiro (entrada e saída de R$ da Conta Única) não encontra respaldo na legislação.

Não existe qualquer norma que determine que o registro de uma despesa orçamentária deva ser feito em razão de saída de R$ da CUTN. Mas existem dispositivos que determinam o reconhecimento da despesa orçamentária no momento de seu empenho (art. 35, inciso II, e art. 58 da Lei 4.320/1964). Ou seja, despesa não se registra quando se paga, mas quando se empenha.

Também inexiste dispositivo legal que diga que a receita orçamentária somente ocorre quando o recurso é depositado na CUTN. Mas existem dispositivos legais que expressamente determinam o registro da receita orçamentária no momento de sua arrecadação (art. 35, inciso I, e art. 57 da Lei 4.320/1964). Ou seja, receita deve ser registrada quando de sua arrecadação, independentemente do fato de a mesma vir a ser recolhida ou não.

A esse respeito, vale observar que o art. 56 da Lei 4.320/1964, ao falar sobre recolhimento, não determina o recolhimento de todas as receitas. O mandamento é outro: caso recolhida, a receita deve ir para uma conta única.

Em regra, os recursos (tributos, operação de crédito, alienação de bens, devolução de empréstimos etc) que o setor público obtém para o financiamento de seus dispêndios são aplicados em momento distinto daquele em que foram captados (arrecadados). Por essa razão, realiza-se o recolhimento dos mesmos a uma conta única. É o que chamo de “operações indiretas”.

Mas nada impede que a aplicação dos recursos (arrecadados) pelo setor público seja efetuada no mesmo instante em que os mesmos são captados. Nessa hipótese, desnecessário o recolhimento. É o que chamo de “operações diretas”.

Ocorre que, em ambos os casos – R$ aplicados de imediato ou em momento posterior – é preciso reconhecer que existe a realização de uma arrecadação de recursos/fontes. Ou seja, recolhidos ou não a uma conta única, os recursos foram arrecadados. Aliás, apenas abrindo um pequeno parênteses – já que, até onde sei, não existe o conceito de arrecadação positivado pelas normas de direito financeiro – entendo que “arrecadação” representa a obtenção de fonte de financiamento para a realização (sentido bem amplo) de dispêndios de natureza orçamentária.

Ainda nessa esteira, vale dizer que, desde há muito, o orçamento da União contempla dotações para operações indiretas e para operações diretas. Existem, inclusive, fontes específicas para operações de crédito “diretas”.

Em resumo, o orçamento público deve contemplar autorização (para aquele exercício respectivo) para a execução de dispêndios de natureza orçamentária, bem como a estimativa do montante das fontes de recurso que o ente federado captará (arrecadará) para o financiamento dos dispêndios respectivos. Incorreto, ao meu sentir, portanto, a ideia de se estabelecer espécie de relação biunívoca entre orçamento e fluxo financeiro de R$.

Sendo assim, entendo ser equivocado o entendimento de que uma despesa (cuja natureza mostra-se claramente orçamentária) possa ser realizada fora do processo legislativo orçamentário sob o argumento de que, para o seu financiamento, não haverá a necessidade de sacar recursos da CUTN. Concordar com tal hipótese, ao meu ver, seria afirmar, s.m.j., que a natureza de uma despesa orçamentária pode ser modificada em razão da fonte de recursos que a financia.

Pois bem.

Apesar de toda essa conversa aí de cima, meu entendimento é que as operações listadas pelo art. 100, § 11, da CF/88 – no que tange à União – não precisam ser autorizadas pelo orçamento. Mas a razão não tem relação com tais operações conterem ou não fluxos financeiros. O motivo é outro.

O texto do citado § 11 atribui ao credor da União (originariamente ou por meio de aquisição) o direito, se assim desejar, de aplicar os créditos que tem junto à União no pagamento de uma série de operações: pagar tributos vencidos, pagar pela aquisição de imóveis, pagar pela outorga de serviços públicos, pagar pela aquisição de participações em empresas etc.

Numa apreciação bem rápida que fiz das operações listadas pelo § 11, parece-me que todas elas não envolvem qualquer execução de dispêndio por parte da União. Os dispêndios, ali, são, ao meu ver, realizados a partir de manifestação de vontade do credor da União, e não da União. O que a União faz é simplesmente obter fontes de financiamento. Quem realiza o gasto é o credor. Por ex: a União coloca um imóvel à venda e permite que o credor, se assim desejar, pague com crédito líquido e certo. Se a mesma pessoa do credor quiser pagar em R$, e não em crédito, ela pode; e a operação, nesse caso, será simplesmente uma “obtenção de fonte de financiamento, mediante venda de patrimônio”.

Alguém pode questionar: e se o credor quiser pagar o imóvel com os créditos, não estaria ocorrendo, então, um dispêndio para a União (pagamento da dívida junto ao credor)? A resposta é: sim! Ocorre que, no entanto, não seria um dispêndio cuja execução se deu em razão de manifestação de vontade da União, mas do credor, no exercício de uma prerrogativa/direito que a emenda constitucional lhe atribuiu.

Ora, exigir que tais operações (incisos do art. 100, § 11) somente possam ocorrer caso exista dotação orçamentária e nos limites da respectiva dotação orçamentária seria, ao meu juízo, querer restringir o exercício do direito/prerrogativa trazida pelo § 11.

Concluindo.

A aplicação, pelo credor, dos créditos líquidos e certos que possui, junto à União, para honrar os compromissos que assumir em decorrência da realização das operações (obtenções de fonte de financiamento pela União) listadas pelos incisos do art. 100, § 11, da CF/88, independe de autorização por meio de dotações orçamentárias. Condicionar a realização de tais operações a prévias consignações no orçamento seria restringir, limitar e impedir o exercício da prerrogativa trazida pela Emenda Constitucional nº 113/2021.

Abraço em todos. 



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