TEXTO 006 – BLOG –
DIREITO FINANCEIRO EM TELA
AUTOR: Antonio Carlos Costa d'Ávila Carvalho Júnior - Professor de Orçamento Público e Gestão Fiscal -
professordavila@hotmail.com
OBSERVAÇÃO: permitida a reprodução, desde que citadas a fonte e o autor.
No
âmbito do orçamento público, “despesa orçamentária” é todo gasto que precisa
ser previamente autorizado pelo Poder Legislativo. De outro lado, “receita
orçamentária” é toda fonte de financiamento que se obtém para autorizar, via lei
orçamentária ou créditos adicionais, “despesas orçamentárias”.
No mundo
das operações “não orçamentárias”, classifica-se como “receita extra
orçamentária” o recurso que entra nos cofres públicos sem o objetivo de
autorizar gastos no orçamento (operação de crédito para cobrir insuficiência de
caixa, cauções etc).
Nessa
esteira, vale observar o contido no caput
do art. 3º da Lei 4.320/1964 – recepcionada pela Carta Política de 1988 como
lei complementar – que assim estabelece, in
verbis:
Art. 3º A Lei de
Orçamentos compreenderá todas as
receitas, inclusive as de operações de crédito autorizadas em lei.
(Grifou-se)
Art. 3º Omissis ...
Parágrafo único. Não se consideram para os fins deste artigo
as operações de credito por antecipação da receita, as emissões de papel-moeda e outras entradas compensatórias, no
ativo e passivo financeiros. (Grifou-se)
Merece
destaque a parte do parágrafo único que determina que as “emissões de
papel-moeda” não devem integrar o orçamento público. E é justamente sobre tema
que se conecta com tal aspecto que gostaria de escrever as próximas linhas.
O Banco
Central do Brasil (BCB), semestralmente, apura o resultado contábil-patrimonial
e o resultado da chamada “equalização cambial”.
Em
apertada síntese, a operação de “equalização cambial” representa mecanismo por
intermédio do qual o BCB transfere, para a União (Tesouro Nacional), os ganhos
obtidos com reservas cambiais e com derivativos cambiais. Em outras palavras, o
BCB, mediante depósito de Reais na Conta Única do Tesouro, transfere os ganhos contábeis
(ainda que não tenham sido realizados financeiramente) que obtém quando ocorre
uma desvalorização do Real.
Para
alguns estudiosos do tema, como é o caso de Kenneth Sullivan, analista do
Departamento de Assuntos Monetários e Cambiais do FMI, no texto [Profits, Dividends and Capital –
Considerations for Central Banks], tais “lucros” não deveriam ser
transferidos, mas, sim, acomodados em uma reserva de resultados. Verbis:
For central banks, the
effect has been to increase the potential volatility of reported earnings,
particularly in situations of material mismatches in balance sheet structure, a
common feature of central banks given their specific responsibilities for
foreign reserves management. The result can be a significant timing mismatch
between the recognition and realization of central bank profits, raising the risk
of a reversal of the recognition before realization occurs. This risk cautions
against the distribution of unrealized profits as dividends and advises the
creation of appropriate buffers to enable the central bank to meet future
losses.
Tradução livre: Para os
bancos centrais, o efeito tem sido o de aumentar a volatilidade potencial de
ganhos, especialmente em situações de descasamento de ativos e passivos na
estrutura do balanço patrimonial, uma característica comum dos bancos centrais
dadas as suas responsabilidades específicas para a gestão de reservas cambiais.
O resultado pode ser uma significativa incompatibilidade temporal entre o
reconhecimento e realização de lucros do banco central, aumentando o risco do
repasse de ganhos antes que ocorra a realização financeira. Este risco adverte contra a distribuição de lucros não
realizados a título de dividendos e aconselha a criação de reservas de lucro
adequadas que permitam ao banco central acomodar perdas futuras. (Grifou-se)
Uma das
razões para referida recomendação é que a transferência de ganhos (ainda não
realizados financeiramente) decorrentes de variação na taxa de câmbio representaria
uma espécie de emissão de moeda.
É assim que declara, por exemplo, Peter Stella, analista do Departamento de
Mercado Monetário e de Capitais do FMI, em [IMF
Wrking Paper – The Federal Reserve System Balance Sheet: What Happened and Why
it Matters]. Verbis:
Many central banks with
significant foreign exchange holdings which are not hedged against currency
fluctuations make adjustments to their accounts to avoid paying unrealized
foreign exchange gains to government as this is seen an economically equivalent
to unrequited money creation.
Tradução livre: Muitos
bancos centrais com significativas participações patrimoniais indexadas a
moedas estrangeiras e que não estejam protegidos contra flutuações de preço das
respectivas moedas fazem ajustes em suas
contas para evitar o pagamento de ganhos não realizados com variação cambial,
uma vez que referido pagamento é visto, do ponto de vista econômico, como uma
criação/emissão de moeda não requerida pelo sistema econômico.
(Grifou-se)
Mas qual
seria a relação entre os entendimentos transcritos acima e a parte inicial deste
texto? Vejamos.
Atualmente,
todos os ganhos que o BCB transfere ao Tesouro (seja em razão de seu resultado
contábil-patrimonial seja em razão da “equalização cambial”) são classificados
como “receitas de capital – outras receitas de capital”. São, portanto, consideradas
“receitas orçamentárias”.
A meu
ver, salvo melhor juízo (e eles devem existir, com certeza!), os montantes que
o BCB deposita na Conta Única do Tesouro em razão da transferência dos ganhos com
“equalização cambial” não deveriam ser registrados como “receitas orçamentárias”,
mas como receitas “não orçamentárias”, em
razão de representarem uma espécie de emissão de moeda.
Desse
modo, por força do parágrafo único do art. 3º da Lei 4.320/1964 – Norma Geral
de Direito Financeiro e Orçamento – tais ganhos, ainda que depositados na Conta
Única do Tesouro, não deveriam ser levados ao orçamento público na forma de
estimativa de receitas orçamentárias. Significa dizer, portanto, que, entre
outros aspectos, tais montantes não poderiam estar sendo levados em
consideração para fins do cumprimento da regra de ouro, posto que não devem ser
enquadrados no conceito de “receita orçamentária de capital”.
Apenas
a título de informação, a tabela a seguir mostra o montante das transferências de Reais
ao TN decorrentes do resultado contábil-patrimonial e da “equalização cambial”,
bem como o total de transferências geradas pelo respectivo semestre de
apuração.
Tabela 1 – Transferências – Demais e Cambiais –
Regime após MPV 435 – Reais mil
Semestre
|
Demais Operações
Transferências
(A)
|
Operações Cambiais
Transferências
(B)
|
Total
Transferências
(C) = (A) + (B)
|
1º
sem/2008
|
3.172.740
|
-
|
3.172.740
|
2º sem/2008
|
10.172.653
|
171.416.012
|
181.588.665
|
1º
sem/2009
|
-
|
-
|
-
|
2º
sem/2009
|
6.550.645
|
-
|
6.550.645
|
1º
sem/2010
|
10.803.195
|
-
|
10.803.195
|
2º
sem/2010
|
4.926.775
|
-
|
4.926.775
|
1º
sem/2011
|
12.230.706
|
-
|
12.230.706
|
2º
sem/2011
|
11.240.704
|
90.240.059
|
101.480.763
|
1º
sem/2012
|
12.318.246
|
32.210.001
|
44.528.247
|
2º
sem/2012
|
12.296.483
|
-
|
12.296.483
|
1º
sem/2013
|
17.688.071
|
15.766.502
|
33.454.573
|
2º
sem/2013
|
14.267.811
|
15.918.931
|
30.186.742
|
1º
sem/2014
|
5.271.503
|
-
|
5.271.503
|
2º
sem/2014
|
25.655.376
|
65.173.472
|
90.828.848
|
1º
sem/2015
|
35.184.659
|
46.406.630
|
81.591.289
|
2º
sem/2015
|
41.521.539
|
110.938.091
|
152.459.630
|
1º
sem/2016
|
-
|
-
|
-
|
2º
sem/2016
|
7.780.387
|
-
|
7.780.387
|
1º
sem/2017
|
11.271.662
|
-
|
11.271.662
|
2º
sem/2017
|
14.709.838
|
-
|
14.709.838
|
1º
sem/2018*
|
19.700.000
|
146.200.000
|
165.900.000
|
Total
|
276.762.993
|
694.269.698
|
971.032.691
|
Os valores da tabela não consideram os montantes de
remuneração apropriados entre a data do encerramento do semestre e a data da
efetiva transferência dos Reais ao TN.
(*) Valores a serem transferidos ainda no mês de
setembro/2018.
Elaboração própria.
FIM