FINANCIAMENTO DO TESOURO PELO BACEN - A OPERAÇÃO DE EQUALIZAÇÃO CAMBIAL - Parte 05

AUTOR: Antonio Carlos Costa d'Ávila Carvalho Júnior - Professor de Orçamento Público e Gestão Fiscal - professordavila@hotmail.com

OBSERVAÇÃO: permitida a reprodução, desde que citados a fonte e o autor.


CONTINUAÇÃO DA PARTE 4
(...)
DAS CRÍTICAS EM RELAÇÃO AO ACÓRDÃO 1259/2011-TCU-PLENÁRIO
O Acórdão 1259/2011-TCU-Plenário foi proferido no âmbito do processo TC 022.649/2009-4, que tratava de levantamento de auditoria no Banco Central do Brasil e na Secretaria do Tesouro Nacional destinado a verificar a influência das políticas monetária e cambial na política fiscal, bem como avaliar a legalidade da sistemática de repasse de resultados positivos do Banco Central ao Tesouro Nacional e da cobertura de resultados negativos, decorrentes da execução das políticas cambial e monetária.
A equipe de auditoria (da Secretaria de Macroavaliação Governamental – Semag) que realizou o trabalho alegava existir inconstitucionalidade na Lei nº 11.803/2008 (lei de conversão da MPV 435/2008), como segue:
(i) inconstitucionalidade dos incisos I e II, do art. 6º da Lei nº 11.803/2008 (Lei de conversão da MPV 435/1008), uma vez que tais dispositivos atingem frontalmente o caput e o § 1º do art. 7º da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), os quais versam sobre tema que deveria ser disciplinado por intermédio de lei complementar, como determinam os artigos 163 e 165 da Carta Magna;
(ii) inconstitucionalidade da própria Lei 11.803/2008, uma vez que originada de conversão da MPV 435/2008, a qual, de acordo com os termos do art. 62 da Constituição da República, jamais poderia ter sido editada para tratar de matéria reserva à lei complementar; e
(iii) ao estabelecerem mecanismo de financiamento do BCB ao TN, os dispositivos do art. 6º da Lei nº 11.803/2008 atentariam contra o disposto pelo art. 164 da Carta Magna de 1988, que veda ao banco central conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro Nacional.
O Ministro-Relator do caso solicitou à Consultoria Jurídica do TCU (Conjur) a elaboração de parecer, no sentido de, in verbis:
“(...) que esta Consultoria Jurídica se pronuncie ‘a respeito da constitucionalidade dos artigos 4º e 6º da Lei 11.803/2008, que teriam retirado do Bacen a liberdade de dispor sobre a destinação do seu resultado, em aparente conflito com o que dispõem os artigos 62, § 1º, inciso III; 163, inciso I; e 165, § 9º, inciso II da Carta Magna, c/c o artigo 7º, caput e § 1º, da LC 101/2000.”
O Parecer da Consultoria Jurídica do Tribunal de Contas da União
A Conjur inicia seu Parecer, transcrevendo os dispositivos citados acima. Merece destaque o art. 165, § 9º, inciso II, da Carta de 1988, in verbis:
“Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
§ 9º - Cabe à lei complementar:
II - estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.” (Grifou-se)
Quando do exame da matéria, o primeiro tema a ser abordado pela Conjur foi o seguinte, in verbis:
“Da interpretação dos artigos 163 e 165, § 9º, II, da Constituição Federal sobre as matérias a serem reguladas por lei complementar” (Grifou-se)
Logo de pronto, a Conjur tece o seguinte comentário, in verbis:
“A interpretação dos artigos 163 e 165, § 9º, II, da Constituição Federal causa certa dificuldade ao intérprete, porque, segundo assevera Cretella Júnior em seus comentários, revela uma falha na fórmula textual empregada pelo legislador constitucional:” (Grifou-se)
Em seguida, a Conjur transcreve o comentário de referido doutrinador. Atente-se, abaixo, para a parte grifada de referido excerto, in verbis:
“Mais uma vez, o legislador constituinte decepciona e confunde o leitor, ao infringir as leis da lógica, mesclando gênero e espécie. Sob o título FINANCAS PÚBLICAS, que é gênero, o inciso tem a mesma denominação. Desse modo, ou o inciso I – finanças públicas –, sobre o qual poderá dispor a lei complementar, esgotará toda a matéria pertinente a essa disciplina, e, nesse caso os demais incisos são desnecessários, porque redundantes, por versarem o mesmo objeto ou o inciso I, sob rubrica abrangente, não esgotará a matéria, e, assim, é incompleto, tratando de uma parte apenas dos assuntos que deveria incluir, deixando para os demais incisos os temas não abordados, o que também revelaria a desorientação do legislador constituinte, ao redigir os incisos do art. 163 (in Comentários, 2a. Ed, p. 3730-3731).” (Grifos do original)
A meu juízo, assiste razão ao doutrinador, uma vez que houve, aparentemente, uma confusão entre “gênero e espécie” cometida pelo legislador constituinte.
A crítica que faço não é em relação a esse aspecto.
A leitura das referidas páginas da aludida obra doutrinária revela que o comentário transcrito acima está presente na parte em que o doutrinador comenta a respeito apenas em relação ao art. 163. Não há, nessa parte da obra de Cretella Jr., qualquer menção ao disposto pelo art. 165, § 9º, inciso II.
Não obstante, a Conjur prossegue em sua argumentação, informando o que segue, in verbis:
“Tem-se, assim, que o conteúdo dos artigos 163 e 165, § 9º, II, da Constituição Federal diz respeito à necessidade de edição de normas gerais de finanças públicas, não havendo tratamento específico de matérias, lei esta que venha a substituir a Lei 4.320/64 e que tratará sobre ‘normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal’.” (Grifou-se)
Em relação a tal citação, é preciso fazer alguns comentários. O primeiro é que, novamente, a Conjur engloba o art. 165, § 9º, inciso II, em suas manifestações, embora, até aquele momento de seu Parecer, nenhum doutrinador por ela citado tivesse a ele feito qualquer referência, mas apenas ao teor do art. 163.
O segundo comentário tem relação com a afirmação de que o art. 165, § 9º, II, não traria tratamento específico de matérias. A esse respeito, vale observar as manifestações exaradas pelo próprio Cretella Jr – por intermédio da mesma obra citada pela Conjur – em relação ao art. 165, § 9º, inciso I, da Constituição, o qual merece ser transcrito, in verbis:
“Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
§ 9º Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual;”
Pois bem. Os comentários específicos sobre a disciplina do art. 165, § 9º, I, são os seguintes, in verbis:
A regra jurídica constitucional do art. 165, § 9º, I, determina que lei à lei complementar cabe dispor sobre o exercício financeiro, porque o legislador constituinte pretendeu impedir, de modo claro, que o legislador infraconstitucional mudasse o período do calendário ou ano civil, já que este não é de obrigatória adoção por parte do responsável pela edição da lei orçamentária, embora seja tradição, no Direito brasileiro, ao contrário do que ocorre em outros países, em decorrência do princípio da anualidade e do princípio da anterioridade, correta é a colocação que fixa a regra de ser aprovado o orçamento até o último dia do ano, para que se execute no ano subsequente ao da aprovação. A Constituição de 1967, art. 64, e o art. 61 que lhe corresponde, na EC nº 1, de 1969, determinam que “a lei federal disporá sobre o exercício financeiro”.
O art. 163, I, da Constituição vigente (“Lei complementar disporá sobre finanças públicas”), de grande abrangência, já incluíra a mesma regra, mas o legislador constituinte pretendeu enfatizar a determinação, deixando bem evidente o campo exato sobre o qual incidirá a lei complementar, que não deverá coincidir com o da lei ordinária.” (Grifou-se)
O terceiro comentário que faço em relação à manifestação da Conjur também utiliza os ensinamentos de Cretella Jr. Tais ensinamentos, no caso, referem-se especificamente ao art. 165, § 9º, inciso II, e, de tão claros, dispensam maiores comentários. Verbis:
Gestão financeira e patrimonial é conteúdo obrigatório da lei complementar, referindo-se este inciso II ao que já determinara o inciso anterior, formando, desse modo, os dois incisos, um mesmo todo. (...). Conforme a EC nº 1, de 1969, as normas de gestão financeira e patrimonial da Administração direta e indireta eram editadas pela União, mas o legislador não indicou qual a natureza da lei, se ordinária, se complementar, cuidado que teve o legislador da Constituição vigente. Há, é claro, relação de gênero e espécie, entre gestão financeira e gestão patrimonial, abrangendo a primeira, sem dúvida, a segunda, pois se refere a primeira ao gerenciamento das finanças públicas, gestão do orçamento, das receitas e despesas ordinárias, concernentes ao patrimônio do Estado. Pretendeu o legislador constituinte que o responsável pela feitura da lei complementar incluísse, na lei, normas pelas quais seriam geridas receitas e despesas ordinárias, bem como o próprio patrimônio público. Quer no que diz respeito quer à Administração direta quer à indireta.” (Grifou-se)
Embora, ao que parece, não tenha consultado os dispositivos transcritos acima, a Conjur não deixou de fazer referência a outros doutrinadores, na tentativa de fazer crer que o art. 165, § 9º, inciso II, não traria um conjunto específico de matérias a serem tratadas por intermédio de lei complementar. Assim, para tentar reforçar seu argumento, transcreveu em seu Parecer entendimentos que Pinto Ferreira e Uadi Lammêgo Bulos, respectivamente, teriam manifestado em relação ao art. 165, § 9º, inciso II, da Constituição, in verbis.
“O preceito em comentário determina que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais aplicáveis às três leis: o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais, e não somente a estes últimos. (Comentários à Constituição Brasileira, 6º. Volume, p. 93)” (Grifos do original)

“A lei complementar de índole financeira é aquela que irá definir a vigência, os prazos e a maneira em que deve ser elaborado o plano plurianual. Desempenha papel destacado, estabelecendo as normas gerais de direito financeiro, as quais servirão de substrato para a feitura das demais categorias legislativas, é dizer, da lei do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual.
Caberá a essa lei dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, além de estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta. (Constituição Federal Anotada, p. 1245).” (Grifos do original)
Com todo respeito, entendo que a Conjur se enganou em relação ao dispositivo ao qual fizeram referência citados doutrinadores. Tais autores, na verdade, efetuaram comentários sobre o “inciso I” do art. 165, § 9º, e não sobre o “inciso II”, que era, esse sim, o que estava sendo discutido nos autos do TC 022.649/2009-4.
Significa dizer, portanto, que, a meu juízo, está equivocada a Conjur quando afirma que o art. 165, inciso II, da Constituição não teria trazido um conjunto de matérias específicas a serem tratadas por intermédio de lei complementar. Com todo respeito que merece a Conjur, entendo que a dicção do inciso II é clara e precisa, uma vez que determina a necessidade de edição de lei complementar para tratar, por exemplo, do objeto específico a que se referem o presente texto e os autos do TC 022.649-2009/4, a saber: normas de gestão financeira e patrimonial (apuração e transferência/distribuição de resultados patrimoniais) de entidade da administração direta e indireta (Banco Central do Brasil).
O segundo tema abordado pela Conjur em seu Parecer dizia respeito à possibilidade de se editar lei ordinária para tratamento das matérias veiculadas pela Lei 11.803/2008 (lei de conversão da MPV 435/2008).
Informa a Conjur, de início, que, até a edição da LRF, a questão referente à transferência de resultados financeiros entre o Banco Central do Brasil e o Tesouro Nacional sempre foi tratada por meio de lei ordinária, não tendo havido até então qualquer questionamento acerca da necessidade de edição de lei complementar para a regulamentação da matéria.
Em seguida, a Conjur afirmou que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria asseverado que a matéria tratada pelo art. 7º da LRF não demandaria a edição de lei complementar, in verbis:
“Curiosamente, somente depois de ter havido o disciplinamento da matéria pela Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja natureza, como se sabe, é de lei complementar, é que houve o questionamento acerca da constitucionalidade da matéria, tendo o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.238, quando da análise da própria Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101), asseverado que a matéria tratada no art. 7º da LRF não exigia a regulação por lei complementar. Veja-se, respectivamente, no que interessa, a ementa e trecho do voto condutor da decisão:” (Grifos do original)
Desse modo, com base no entendimento que julga ter sido exarado pelo STF, a Conjur concluiu no seguinte sentido, in verbis:
Em assim decidindo, ao menos em sede cautelar, em relação à própria Lei de Responsabilidade Fiscal, não há como se afirmar que as matérias disciplinadas nos artigos 4º e 6º da Lei 11.803 estariam submetidas à reserva de lei complementar.” (Grifou-se)
Com todo respeito, entendo que, mais uma vez, a Consultoria Jurídica do TCU equivocou-se em relação ao tema ora em análise. Explico.
Inicio minha explicação com a transcrição, por completo, do caput e parágrafos do art. 7º da LRF, in verbis:
Art. 7º O resultado do Banco Central do Brasil, apurado após a constituição ou reversão de reservas, constitui receita do Tesouro Nacional, e será transferido até o décimo dia útil subseqüente à aprovação dos balanços semestrais.
§ 1º O resultado negativo constituirá obrigação do Tesouro para com o Banco Central do Brasil e será consignado em dotação específica no orçamento.
§ 2º O impacto e o custo fiscal das operações realizadas pelo Banco Central do Brasil serão demonstrados trimestralmente, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias da União.
§ 3º Os balanços trimestrais do Banco Central do Brasil conterão notas explicativas sobre os custos da remuneração das disponibilidades do Tesouro Nacional e da manutenção das reservas cambiais e a rentabilidade de sua carteira de títulos, destacando os de emissão da União.” (Grifou-se)
Não há dúvida quanto aos temas tratados acima. No caso, merecem especial atenção aqueles trazidos pelo caput e § 1º, do art. 7º, posto que tais dispositivos, sem sombra de dúvida, versam, a meu sentir, sobre norma de gestão financeira e patrimonial de entidade integrante da administração indireta da União, tema que, de acordo com o art. 165, § 9º, inciso II, demanda a edição de lei complementar. Vejamos.
O caput do art. 7º estabelece:
(i) o prazo limite para a transferência (financeira), ao TN, do resultado patrimonial positivo eventualmente apurado pelo BCB;
(ii) que os resultados patrimoniais do BCB serão apurados semestralmente;
(iii) que o resultado positivo eventualmente apurado deverá ser considerado uma receita “orçamentária” da União; e
(iv) que, antes de o resultado patrimonial do BCB ser considerado uma receita da União, é preciso que a autoridade monetária decida sobre a necessidade ou não de se “constituir” ou “reverter” reservas de resultado.
Por sua vez, o § 1º do art. 7º estabelece que:
(i) caso, após a reversão de reservas constituídas anteriormente, ainda exista resultado patrimonial negativo a ser coberto, o respectivo montante passará a representar uma obrigação do TN junto ao BCB; e
(ii) para a realização da cobertura do resultado negativo, será necessário inserir dotação específica na Lei Orçamentária Anual ou em Créditos Adicionais.
Com relação aos §§ 2º e 3º, no entanto, entendo que não merecem ser considerados como tema que deva ser disciplinado por intermédio de lei complementar.
Pois bem. A Conjur do TCU, para afirmar que o STF teria asseverado que a matéria trazida pelo art. 7º da LRF não exigia a regulação por lei complementar, transcreveu posicionamentos da Suprema Corte exarados, em sede de liminar, no âmbito da ADIn 2.538, os quais, dados os propósitos didáticos do presente texto, serão analisados individualmente a seguir.
O primeiro desses excertos trata especificamente do teor dos §§ 2º e 3º do art. 7º da LRF. Como pode ser visto a seguir, o posicionamento do Relator é no sentido de que tais parágrafos não versam, efetivamente, sobre tema que demanda a edição de lei complementar. Ressalte-se que não há qualquer menção ao caput e ao § 1º do art. 7º. Verbis:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR Nº 101, DE 04 DE MAIO DE 2000 (LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL). MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.980-22/2000.
Lei Complementar nº 101/2000. Não-conhecimento.
I - Os §§ 2º e 3º do art. 7º da LC nº 101/00 veiculam matérias que fogem à regulação por lei complementar, embora inseridas em diploma normativo dessa espécie. Logo, a suposta antinomia entre esses dispositivos e o art. 4º da Medida Provisória nº 1.980-22/00 haverá de ser resolvida segundo os princípios hermenêuticos aplicáveis à espécie, sem nenhuma conotação de natureza constitucional. Ação não conhecida.” (Grifou-se)
O segundo excerto, entretanto, versa especificamente sobre o caput e o § 1º do art. 7º da LRF. Ocorre que, ao fazê-lo, em nenhum momento o STF se manifesta no sentido de que a matéria trazida em tais dispositivos poderia ser disciplinada por intermédio de lei ordinária ou não mereceria ser tratada por lei complementar. Verbis:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR Nº 101, DE 04 DE MAIO DE 2000 (LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL). MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.980-22/2000.
Lei Complementar nº 101/2000. Vícios materiais. Cautelar indeferida.
(Voto Ministro Ilmar Galvão) – VII – Art. 7º, caput: norma de natureza fiscal, disciplinadora da realização de receita, e não norma vinculada ao sistema Financeiro Nacional. VIII – Art. 7º, § 1º: a obrigação do Tesouro Nacional de cobrir o resultado negativo do Banco Central do Brasil não constitui utilização de créditos ilimitados pelo Poder Público. (...)” (Grifou-se)
Aliás, a partir de leitura atenta do posicionamento transcrito acima, é possível verificar que o Ministro, quando se refere ao art. 7º, caput, informa que a matéria trazida pelo mesmo é de “natureza fiscal, disciplinadora da realização de receita”. Ou seja, há o reconhecimento, com todas as letras, que se trata de temática que, de acordo com o disposto pelo art. 165, § 9º, incisos I e II, da Constituição da República, deve ser regulada por lei complementar.
Efetuadas as constatações acima, retomo, mediante nova transcrição, a afirmação exarada pela Conjur em relação a posicionamento que teria sido exarado pela Suprema Corte em relação ao art. 7º da LRF, in verbis:
“Curiosamente, somente depois de ter havido o disciplinamento da matéria pela Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja natureza, como se sabe, é de lei complementar, é que houve o questionamento acerca da constitucionalidade da matéria, tendo o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.238, quando da análise da própria Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101), asseverado que a matéria tratada no art. 7º da LRF não exigia a regulação por lei complementar. Veja-se, respectivamente, no que interessa, a ementa e trecho do voto condutor da decisão:” (Grifou-se)
Com todo o respeito, não é possível concordar com tal afirmação, uma vez que o STF, como demonstrado acima, somente se posicionou nesse sentido em relação aos §§ 2º e 3º do art. 7º da LRF.
Ainda nessa esteira, friso que as manifestações do STF em relação ao caput e ao § 1º do art. 7º da LRF caminham na direção de reconhecer o que a Carta Magna de 1988 claramente positivou: normas de natureza fiscal e de gestão financeira e patrimonial devem ser reguladas por lei complementar.
Por todo o exposto acima, divirjo completamente da conclusão exarada pela Consultoria Jurídica do TCU, a qual transcrevo a seguir, in verbis:
“Deste modo, resta demonstrada a constitucionalidade formal da legislação indicada, em razão da possibilidade das questões referentes à constituição de reservas do Banco Central do Brasil e à forma de apuração e liquidação de resultados financeiros em operações cambiais serem tratadas por meio de lei ordinária.”
Da sugestão para que o TCU reveja o teor do Acórdão 1259/2011
O presente texto pretendeu mostrar que as alterações promovidas pela “operação de equalização cambial” criaram sistemática de financiamento do Banco Central do Brasil ao Tesouro Nacional.
Também apresentou os entendimentos exarados pela Secretaria (Semag) do Tribunal de Contas da União, pela Consultoria Jurídica do TCU (Conjur) e pela própria Corte de Contas.
Destaco que a equipe técnica da Semag entendeu: (i) haver inconstitucionalidade em dispositivos da Lei 11.803/2008 (conversão da MPV 435/2008), por entender que a matéria por eles positivada deveria ser tratada por lei complementar; e (ii) que a Lei 11.8083/2008 teria estabelecido mecanismo de financiamento do BCB ao TN, operação vedada pelo art. 164 da Carta Magna de 1988.
Relembro que a Conjur concluiu no sentido de que não haveria impedimento para tratar as matérias trazidas pela Lei 11.803/2008 (conversão da MPV 435/2008) por intermédio de lei ordinária.
Informo que a Corte de Contas, após análise do conteúdo dos autos, entendeu que a implementação da sistemática trazida pela “operação de equalização cambial” não trazia prejuízo à condução da política monetária pelo Bacen, decidindo, a uma, por encaminhar cópia do Acórdão 1259/2011, bem como do relatório e voto que fundamentaram tal decisão, aos então Presidente do Banco Central do Brasil e ao Ministro de Estado da Fazenda, e, a duas, por arquivar os autos.
Nessa esteira, salvo melhor juízo, observo que não consta no Voto do Ministro-Relator da matéria qualquer referência à situação apontada pela equipe técnica no sentido de que os dispositivos trazidos pelo art. 6º da Lei nº 11.803/2008 (conversão da MPV 435/2008) atentariam contra o disposto pelo art. 164 da Constituição da República de 1988, que expressamente veda ao banco central conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro Nacional.
Nesse sentido, com base nas razões apresentadas pelo presente texto, sugiro, respeitosamente, à Egrégia Corte de Contas que reveja os entendimentos e manifestações exarados por intermédio do Acórdão 1259/2011-TCU-Plenário, uma vez que, a meu juízo, os fatos comprovam que a implementação da “operação de equalização cambial”, trazida ao mundo jurídico por intermédio da edição da Medida Provisória nº 435/2008, estabeleceu sistemática de financiamento do Tesouro Nacional pelo Banco Central do Brasil, prática expressamente vedada pelo texto constitucional.
FIM

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